domingo, 8 de agosto de 2010

Trabalho da Facul, sobre o trafico de escravos no Oceano atlantico

Atlântico Negro – Na rota dos orixás. Brasília, 1997. Filme documentário 35 mm., color. Duração: 53 minutos, 41 seg. Diretor: Renato Barbieri. Projeto e roteiro: Victor Leonardi e Renato Barbieri. Idealização e realização: Videografia, instituto Itaú Cultural. Patrocínio: Ministério da Cultura; GDF-SCE; Pólo de Cinema e Vídeo do DF; Fundação Cultural do Distrito Federal.



Na gênese de nossa formação enquanto sociedade miscigenada deste país, inegavelmente entranhada está a questão da escravidão. Nela muitos estudos se concentram, havendo exaustivas reflexões com relação ao caráter traumático inerente ao tema. Pouco se fala, entretanto, da contribuição das vitimas desta violência para com a geração da cultura híbrida que habita nossas terras. É nesta direção que se lança o intento de Renato Barbieri e Victor Leonardi, produtores do documentário “Atlântico Negro - Na rota dos orixás.”
O material cinematográfico obtido através de filmagens ocorridas tanto no Brasil quanto no Benin, calca-se fundamentalmente em propor tal perspectiva, isto é, a idéia de que o oceano fez-se elo entre dois povos, e que através dessa ligação – ainda que forçosa e desumana – tivemos a reprodução de uma cultura extremamente rica. “A África está presente no Brasil em quase todas as dimensões de sua sociedade: religiosidade, musicalidade, no gestual, na alegria, na dança.” Diz o narrador do documentário ilustrando de forma explicita o que acima fora dito.
Na pretensão de apresentar esta visão, a produção é focada em algumas personagens principais, a saber, a religião, e a comunidade dos Agudá (descendentes de brasileiros que retornaram à África), representando, respectivamente, a influência da cultura legada de lá para cá, e o desdobramento dessa cultura aqui, que faz o movimento inverso e, singularizada, para lá retorna. Temos a idéia de um dinamismo, um intercâmbio intenso e contributivo, que se reproduz de ambos os lados.
Sendo assim, Barbieri e Leonardi habilmente exploraram os artifícios que o meio de comunicação por eles escolhido lhes proporcionava. Ritmo rápido de imagens, utilização de uma narração oral, amparo teórico de autoridades, bem como representações e construções de realidades são exemplos do que fora usado na consolidação do argumento. Entrando neste âmbito, é valido dizer, que o material está voltado a divulgação da idéia defendida, e conseqüente construção de uma identificação cultural, cujo principal alvo é o público leigo, e, portanto, as técnicas supracitadas, as quais atribuem certo caráter genérico aos temas do filme, servem exatamente a este propósito.
Fato é, deste modo, que se logrou êxito no resultado almejado: Obteve-se um trabalho sério de grande valia na disseminação da cultura africana, em nossas vidas tão presente, embora ainda tão pouco por nós conhecida.
Todavia, sob o olhar critico de um especialista, “Atlântico Negro: Na rota dos orixás” merece algumas ressalvas. E ocupar-se disso foi o que fez o professor Luís Nicolau da Universidade Federal da Bahia. Nicolau reconhece a contribuição do documentário, porém recomenda cuidado com a interpretação deste para que não se incorra na simples aceitação das verdades demonstradas e impostas.
O professor, que escrevera um artigo sobre o filme, elenca alguns pontos que devem ser pensados. Para ele pecou-se contra a veracidade étnica ao se associar, incoerentemente, cenas de outras manifestações culturais a algo diverso delas que o narrador abordava. Citando-o comprovamos isso: “Cabe notar que as imagens de diversas atividades rituais que dão suporte ao discurso oral são bastante desconexas e estão montadas num ritmo rápido que em algum momento leva a certa confusão. Quando se fala, por exemplo, do culto dos orixás e voduns, mostram-se imagens dos egunguns, culto de origem ioruba dos ancestrais, que não é considerado propriamente culto dos orixás; quando se fala de Exu, mostram-se imagens de um Heviosso, vodum do trovão. Essas imprecisões podem passar despercebidas aos olhos do não-especialista, e poderiam ser consideradas licenças criativas a serviço da narrativa verbal, mas, na verdade, são esses detalhes que põem em questão a fidelidade etnográfica do documentário e que podem suscitar críticas dos participantes da religião.” (Nicolau).
A manipulação voltada para a representação da idéia que se pretende mostrar é outra critica levantada. Um exemplo claro se manifesta na relação em que todo o resto do documentário está em torno, a amizade entre o Avimanjenon e pai Euclides. Figurando como objeto central, esta amizade, estreitada pela equipe produtora – que serve como arautos das mensagens entre um e outro – aparentemente culmina na generosa e emocionada oferta de um bastão cerimonial como presente do sacerdote do Benin ao brasileiro, sendo este recebido de forma ritualística e grandiosa. O que não é mostrado, é que este ritual fora encenado para as câmeras, que pai Euclides quem pedira o presente, e que este tivera de ser comprado. Isto tudo só demonstra como o documento goza de uma enorme capacidade de montar, recortar, e reconstruir a realidade. Talvez, como bem dito por Nicolau, essas representações sejam valiosas, pois de outra forma, não se conseguiria acessar informações dignas de serem reveladas, contudo, ante esta linguagem cinematográfica, devemos ser cautelosos e ter a consciência das possibilidades que ela abrange, para que não sejamos simples assimiladores de uma verdade já digerida.
Levantada esta questão de uma verdade acabada, aproveitamos o ensejo, para analisarmos a admoestação que cremos ser a mais importante: a intransigência das informações prestadas. Como o professor da Universidade Federal da Bahia classifica, estamos diante de um texto fechado, que não permite especulações quanto ao que é apresentado. Legitima-se o que é defendido através de um narrador, sobreposto às imagens, que tudo sabe; e de depoimentos de autoridades renomadas que garantem a credibilidade do que é dito. Não há campo para interpretações, a interpretação já esta acabada e é imposta como absoluta por meios subjetivos que impedem o espectador de ter conclusões próprias. Sobre isso assim diz as palavras de Nicolau: “Formalmente, talvez, deva-se criticar a dependência excessiva da narração verbal, o que dá ao documentário um certo tom didático. A necessidade de explicar uma história complexa leva os autores a utilizarem o artifício da narração oral articulada nos comentário dos entrevistados e na voz do narrador, esta sempre onisciente e onipotente, imbuída de uma autoridade à priori inquestionável. Esse recurso relega o visual a mero suporte ilustrativo que, na sua fluida plasticidade, só serve para hipnotizar a atenção do espectador, sem deixar as imagens se mostrarem por si sós. O visual não é utilizado como recurso narrativo autônomo. Em geral, a rápida edição não dá tempo ao espectador para olhar, para ver e daí elaborar a sua própria interpretação. A combinação desses fatores faz de Atlântico Negro um texto que, utilizando as categorias de Umberto Eco, poderia ser catalogado de ‘fechado’( em oposição a um texto aberto) já que o espectador , submetido como está à tirania da palavra, não tem espaço para tirar as suas próprias conclusões.” (Nicolau).
À luz do que diz o artigo analisado, o documentário se mostra de outra maneira. Nós, que aqui fizemos estas considerações, após reflexões sobre ambos, acabamos por concordar com o autor das criticas, e como ele, entendemos que a obra de Barbieri e Leonardi se trata de uma louvável iniciativa, que apresenta uma excelente proposta. Esta, porém, deve ser absorvida com a consciência dos artifícios utilizados na sua construção. Abdicando-se da aceitação cega do que ali é exposto, temos em “Atlântico Negro” uma boa fonte de informações, e um belo trabalho que com muita competência é digno de méritos no que se propõe a fazer. Mais ainda do que isso, acreditamos que a produção é deverás contributiva, pois lança-se em um terreno ainda não desbravado, ato, o qual, se tomado por exemplo, nos renderá edificante discussão, que então aprofundará a temática, e ampliando as possibilidades de visão, suprirá a grande heresia desta produção pioneira: a não abertura para o pensar.

"ESSE COMENTARIO FOI BASEADO NO DOCUMENTARIO "ATLANTICO NEGRO, A ROTA DOS ORIXAS"

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